A Lei n° 10.671/03 define o torcedor como “toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva” (art. 2°).
Entretanto, o conceito legalmente estabelecido pouco diz sobre o status jurídico do torcedor. Somente é possível estabelecer um conceito jurídico de torcedor, quando o referido diploma legal, em seu art. 3°, se pronúncia sobre a responsabilidade sobre a organização do evento. Assim, a conceituação legal de torcedor é um desdobramento lógico do próprio conceito de fornecedor do evento esportivo:

Art. 3o Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.

Por sua vez, a entidade responsável pela organização da competição, bem como as entidades de desportivas são equiparadas a fornecedores de produtos ou serviços tais como determina o Código de Defesa do Consumidor. Por sua vez, legalmente, “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Vale dizer, as entidades responsáveis pela organização dos eventos desportivos, tanto em nível nacional, como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e a Confederação Brasileira de Basketball (CBB); como em nível estadual, como a Federação Pernambucana de Futebol (FPFPE) ou a Federação Paulista de Futebol (FPFSP) são consideradas fornecedores dos produtos e serviços relacionados a sua área de atuação (torneios, campeonatos, etc.).
A responsabilidade desses sujeitos, por eventuais danos causados ao torcedor/consumidor é solidária e em conjunto com as entidades que, eventualmente, possuam o “mando de campo” (art. 18 e 19 do CDC). Portanto, a título de exemplo, são responsáveis por eventuais prejuízos indenizáveis, as agremiações desportivas e as sociedades anônimas de futebol, que detenham o mando de campo.
Assim, por exemplo, por exemplo a segurança do torcedor em evento esportivo é de responsabilidade da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo, que deverão solicitar ao Poder Público a presença de agentes de segurança; bem como, prestar informações sobre a partida, como o local, horário, capacidade e expectativa de público.
Em resumo, o torcedor é, em relação aos organizadores do evento desportivo, um consumidor. E isso implica dizer, todo os direitos básicos do consumidor, elencados e enumerados no art. 6º, da Lei no 8.078/90, são, igualmente, direitos básicos do torcedor.
Forçoso destacar, entretanto, que o artigo art. 14 da Lei n° 10.671/03 tais obrigações são impostas, inclusive, aos dirigentes das agremiações, associações e sociedades desportivas mandantes da partida
Assim, assegura-se ao torcedor:


• A proteção do direito à vida, saúde e segurança no consumo do produto ou serviço prestado pelas entidades organizadoras do evento desportivo;
• O direito às Informações adequadas sobre o produto ou serviço fornecido;
• Proteção contra publicidade enganosa e abusiva;
• a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;


Especificamente, o Estatuto do Torcedor enumera em todo o seu teor inúmeros direitos do torcedor, que nada mais são do que desdobramentos dos direitos básicos do consumidor, em especial no que se refere à informação, a segurança e a vida.
Por conseguinte, conforme lei, torcedor tem direito:


• à publicidade e transparência na organização das competições;
• à divulgação, durante a realização da partida, da renda obtida pelo pagamento de ingressos;
• à segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos
• à compra dos ingressos em até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente.
• Ao acesso a transporte seguro e organizado;
• à higiene e à qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local;
• à arbitragem independente, imparcial e isenta de pressões.

Neste sentido, por exemplo, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp. nº 1773885 – SP :
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TUMULTO EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. ARTEFATO EXPLOSIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ESTATUTO DO TORCEDOR. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FALHA NA SEGURANÇA. FATO DO SERVIÇO. CULPA DE TERCEIROS. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese. 3. Na hipótese, deve responder pelos danos causados aos torcedores o time mandante que não se desincumbiu adequadamente do dever de minimizar os riscos da partida, deixando de fiscalizar o porte de artefatos explosivos nos arredores do estádio e de organizar a segurança de forma a evitar tumultos na saída da partida. 4. Recurso especial não provido.


Todavia, apesar de haver proteção expressa do Código Civil ao direito de imagem, especialmente, no que se refere ao seu uso para proveito econômico
Mas não somente. A Lei n° 10.671/03 também atribui deveres aos torcedores, que devem ser respeitados em razão da tutela jurídicas de outros interesses caros a toda sociedade. Cabe aos torcedores, por exemplo:


• Não entoar cânticos discriminatórios;
• Não praticar atos de violência e invasão;
• Não portar engenhos pirotécnicos;


Pois bem. Cumpre destacar que, uma vez que organizador é qualificado como um fornecedor, nos moldes do CDC, como regra, em caso de danos causados ao torcedor, responsabilidade será objetiva, dispensando-se a análise da culpa de modo que os fornecedores assumem todos os riscos do evento (art. 12 e 14 do CDC) – aqui, forçoso ponderar que aparentemente, há uma exclusão da responsabilidade da entidade visitante por eventual dano ao torcedor.
Imperioso frisar que a segurança do evento é de responsabilidade do mandatário não somente no local exato da realização da partida, isto é, dentro do estádio, mas também, em todo o entorno. Eventos desportivos tem a capacidade de deslocar vários indivíduos para o mesmo local, e a simples aglomeração de uma grande massa de pessoas representa risco.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou expressamente sobre o assunto, quando do julgamento do REsp. nº 1924527 – PR :


CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DA AGREMIAÇÃO MANDANTE DE ASSEGURAR A SEGURANÇA DO TORCEDOR ANTES, DURANTE E APÓS A PARTIDA. DESCUMPRIMENTO. REDUZIDO NÚMERO DE SEGURANÇAS NO LOCAL. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. JULGAMENTO: CPC/2015. 1. Ação de compensação de danos materiais e morais proposta em 07/04/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 18/11/2019 e atribuído ao gabinete em 02/02/2021. […] 4. O Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) foi editado com o objetivo de frear a violência nas praças esportivas, de modo a assegurar a segurança dos torcedores. O direito à segurança nos locais dos eventos esportivos antes, durante e após a realização da partida está consagrado no art. 13 do EDT. A responsabilidade pela prevenção da violência nos esportes é das entidades esportivas e do Poder Público, os quais devem atuar de forma integrada para viabilizar a segurança do torcedor nas competições. 5. Em caso de falha de segurança nos estádios, as entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes responderão solidariamente, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados ao torcedor (art. 19 do EDT). O art. 14 do EDT é enfático ao atribuir à entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e a seus dirigentes a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo. Assim, para despontar a responsabilidade da agremiação, é suficiente a comprovação do dano, da falha de segurança e do nexo de causalidade. 6. Segundo dessume-se do conteúdo do EDT, o local do evento esportivo não se restringe ao estádio ou ginásio, mas abrange também o seu entorno. Por essa razão, o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança. […] 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.


Por fim, destaca-se a curiosa decisão do STJ, que fixou entendimento no sentido de que o uso publicitário, sem autorização, de imagem do torcedor em estádio de futebol não gera indenização por dano moral. Como cediço, a imagem é um direito da personalidade expressamente protegido no Código Civil, estando protegida se o uso ferir a honra, a boa-fama do titular ou mesmo se se destinarem a fins comerciais (Art. 20, da Lei n.º 10.406/02).
Todavia, conforme compreensão estabelecida no REsp. n.º 1.772.593 – RS (inserir link abaixo ), uma vez que o torcedor no estádio está em uma multidão, não sendo necessariamente sua imagem o objeto alvo para a utilização da publicidade, não há que se falar em uso indevido, posto que o consentimento para a sua utilização seria presumido.
No entendimento esposado, o uso da imagem da torcida (composta por vários indivíduos) é ato plenamente esperado pelos torcedores, porque é costumeiro que este tipo de evento seja gravado e transmitido, inclusive para propaganda dos campeonatos, dispensando-se qualquer tipo de declaração expressa para sua utilização.
De outra banda, se uma pessoa comparece a um jogo esportivo, ela não tem a expectativa de que sua imagem será explorada comercialmente em uma propaganda de um outro produto ou serviço. É dizer, se a imagem é a projeção gráfica de uma pessoa, através da qual ela se identifica e se individualiza no meio social, não há falar em ofensa a esse bem personalíssimo se não configurada a projeção, identificação e individualização da pessoa nela representada
No caso em questão, a imagem de um torcedor foi utilizada para uma peça publicitária de um veículo automotor, no entanto, foi negado qualquer tipo de reparação civil ao torcedor autor da ação. O STJ argumentou que, embora não fosse possível presumir que o uso da imagem do torcedor tenha decorrido de uma autorização tácita, tendo em vista o fim nitidamente comercial; a peça publicitária não projetava (ou destacava), especificamente, a sua imagem devendo ser inserida sem um contexto em que se tem gravações de uma torcida.
É dizer, rechaçou-se o uso publicitário da imagem do torcedor, uma vez que as filmagens refletiam toda uma multidão de pessoas integrantes de uma torcida, não havendo qualquer individuação do sujeito.

Texto por: Dr. João Flávio Vidal Wanderley
Advogado. Procurador do CRBM2. Mestre em Direito Civil. Especialista em Processo Civil. Especialista em Direito Administrativo, Licitações e Contratos Administrativos. Professor.